sábado, 11 de fevereiro de 2012

Dirty Three



Os Dirty Three são uma banda de três pessoas originária de Melbourne, e são daquelas bandas que servem de exemplo de que o "less is more" pode ser mais do que um chavão usado no design. Não que a sua música seja minimal ou simplista, é antes a construção criada entre os instrumentos que mostra que, numa relação saudável de bateria-violino-guitarra, o trio soa a muito sem ter que soar a um sexteto. Não há explícitos devaneios de virtuosismo, o que torna a musica dos Dirty Three bastante humana, expressiva e sensível, um sensível que é sentimental sem ser lamechas. Mas será difícil tentar adjectivar um trabalho diferenciado de quase vinte anos sem pecar nalgumas atribuições, por isso, tendo-me já antecipado nas considerações que fiz, escolho um dos álbuns de que mais gosto: Ocean Songs.

O mar, como bem elucida o nome do álbum, é o tema nuclear deste trabalho, não fosse a Austrália rodeada inescapavelmente de água. Mas não se trata apenas de um conceito que fica preso num nome, há uma "oceanidade" nas músicas, há barcos instrumentais, mas com uma voz humana, lentos, a cortar suavemente as ondas. As músicas às vezes crescem substancialmente como uma vaga, até que rebentam na areia, dando lugar a uma quietude que é própria dum pós-tsunami. É um truque a que muitas das bandas post-rock instrumental nos habituaram, diz que esses crescentes fazem crescer a emoção no ouvinte. E diz muito bem. O Ocean Songs tem dessas coisas e resulta.

Aqui o rock andou a dormir uns dias na casa do jazz, e é o que se vê. Ou melhor, ouve. Há ainda uns certos laivos dum folk sofisticado que acredito serem primordialmente adicionados pelo meloso violino de Warren Ellis, um multi-instrumentista que toca também com os The Bad Seeds e fazia parte dos extintos Grinderman. Curioso exercício é imaginar a voz do Nick Cave sobre algumas músicas; não acontecendo, contentemo-nos com o seu contributo instrumental na Sea Above, Sky below que o vídeo mais a baixo deixa ver. O balanço dos instrumentos, e isto é atributo geral na carreira dos Dirty Three, torna as músicas bastante cadenciadas, com o ritmo perfeito para fazer das músicas plataformas de introspecção, ou mais bem dito, abstracção. Mas, por outro lado, servem perfeitamente o propósito de música ambiente, para quem gosta de ler/estudar com esse encosto.




terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Earth - Angels of Darkness, Demons of Light II




Há outra forma melhor de arrancar com este espaço do que falando de um álbum que me acabou de chegar aos tímpanos?

Pois, os Earth disponibilizaram para ouvir em streaming, através do Pitchfork, o seu novo álbum Angels of Darkness, Demons of Light II, que irá sair pela Southern Lord no dia 14 de Fevereiro, que será uma segunda parte de uma sessão de estúdio de duas semanas, que já tinham dado o seu fruto com o Angels of Darkness, Demons of Light I.

Este álbum mantém a mesma linguagem do anterior, um Esperanto lento de que a velocidade e a instantaneidade da pós-modernidade nos obrigou a desabituar, chega-nos em ecos de um Velho Oeste dum tempo ido, que talvez nunca tenha existido, mas que se afigura real pela organicidade da música que os Earth têm feito nestes últimos álbuns. (O Esperanto não se trata aqui duma metáfora tola, os Earth ultrapassaram fronteiras de géneros, com estes dois álbuns conseguiram passar para um patamar mais universal).

Se há músicas que pintam quadros, o Angels of Darkness, Demons of Light (I e II) pinta paisagens. Traz-nos memórias, que não são nossas, do deserto americano, resquícios de imagens de westerns a preto e branco, um quasi psicadelismo de terras áridas, através duma música lenta que é evolvente e evolutiva. Mas seria errado para mim dizer que os Earth limitam-se a fazer música lenta, seria errado dizer que continuam a encaixar-se perfeitamente no que se chama drone; trata-se antes dum rock que sofre sozinho, cavalgando como um forasteiro nos desertos da música com cadência diferente da mais comercial.

Cada vez mais acústicos, cada vez mais distantes da distorção do drone dos primeiros álbuns, cada vez mais inteligentes na galvanização da estética que procuraram criar desde o Hex; Or Printing in the Infernal Method. A adição do violoncelo veio-lhes dar um toque essencial na procura dessa velha América, estranha, e cheia de contradições. Em mais do que qualquer outro álbum deles, nota-se aqui o sopro de um Neil Young do Dead Man, que Dylan Carson há muito declarou ser uma influência.

Uns acordes espaçados duma guitarra etérea, esporadicamente acompanhados pelo violoncelo, abrem o álbum com a "Sigil of Brass", que introduz o estado de espírito necessário para a audição do resto do álbum. Os nove minutos seguintes desenrolam-se na "His teeth did brightly shine", uma locomotiva de guitarras que vai albergando alguns subtis toques de percussão à medida que se desloca lentamente em direcção ao sol que treme no horizonte. E isto não é uma metáfora.

Com a "Waltz (A Multiplicity of Doors)" entram os respirados ataques ao set de percussão de que ficámos habituados com o The Bees Made Honey In The Lion's Skull para marcar o compasso duma marcha triste, arrastada, onde o violoncelo assume o papel de carpideira, que continua a chorar na música seguinte, "The Corascene Dog", num tom semelhante. O crescendo desta quarta música faz-nos crer que estamos a chegar ao topo da colina, do outro lado há uma coisa que se chama "The Rakehell". A última música do álbum devolve uma certa esperança que pairava na "Sigil of Brass" mas que parecia perdida com a melancolia da terceira e quarta música. A melancolia continua, mas é de uma raça diferente, mais viril, mais rock e menos violoncelo.

Esta sequela é a última paragem da locomotiva que partiu no álbum anterior, viajou por montes e planícies, quase sempre sem tocar o chão. Vamos ver para onde ela partirá agora. Para quem a audição do Demons of Light, Angels of Darkness I foi exaustiva, pode encontrar aqui o abençoado encore, a expansão do jogo.